Ela

Os seios empinados e os quadrís largos não a deixam acreditar em inocências, elas já não é mais uma criança. Os anos viraram memória, e foram perdendo suas cores, virando saudades.
A família sentada, assistindo ao velho filme vhs de algum verão esquecido no coração que, já maduro de mais, não se sente.
E o vento não sopra mais como antes, sua voz agora é ressaca, seu cheiro, cocaina. Noites foram trocadas.Vasos sanitários de overdoses tomam o lugar das delicadas pelúcias do coelho encardido de um olho só.
O frenetismo das baladas, (sinos, badaladas), e o suor de todo o sexo, das diversas mãos e bocas que a encontram todas as noites, dos mesmos novos estranhos que lhe são possuidos, alcool que corre nas veias e brinca com as luzes sintilantes-caleidoscópicas. Nada lhe dá prazer. Não existem mais desejos.
E o ar gelado de cada amanhecer é sempre tão difícil de tragar, quando a mesa está tão cheia de desconhecidos. O café tem gosto de rotina, e o cigarro acompanha o desespero.
Olhos alagados clamam por atenção! Ser sozinha nunca lhe foi de algo ruim, antes ser sozinha do que ser nada, mas agora suas velhas angústias soam tão confortantes, ela não é mais importante. Papai não a filma mais cantando no tapete da sala. Os natais morreram e não a nada no mundo que lhe faça entender as coisas que a cercam.
Não lhe adiantam os longos cabelos lisos, e seus belos olhos azuis. Os modelos não tem mais clareza, e tudo é incerto, impreciso, indeciso.
Sempre foi tão fácil julgar, condenar, mas ela matou todos os seus sonhos e hoje, é seu maior castigo (seu próprio castigo).
E ela gira, e o mundo para. E quando para, todos repetem órbitas caóticas ausentes de lógicas e sistemas. Sua arte morreu, sua liberdade se foi, e nada no mundo a faz entender o amor. Seus pulsos cortados beijam a branca seda dos lençois, nada lhe parece sulficiente.
E as gotas eternas completam o ciclo das contradições, colorem e contrastam. As pupílas dilatadas não deixam dúvidas, e os braços que antes aconchegavam, ja não servem de nada.
Esboços de vozes persistem, turvos no ar.
Não, já não faz diferença...
A inocência se foi, e a vida foi esquecida. Não existiam mais lugares nem lógicas reconfortantes. Ela já não está mais lá.


06/09/2005