quarta-feira, agosto 23, 2006

Alegoria da angústia urbana sem expectativa de entendimentos

“...They call it stormy Moday, but Tuesday's just as bad
They call it stormy Moday, but Tuesday's just as bad
Wednesday's worse, and Thursday's also sad...”

( call it stormy Monday, T-Bone Walker)

Minha autopiedade me sufoca e vai esquartejando geometricamente meu corpo, e minha alma. Me tenho nulo, um não vontades, um não sonhar. Só sinto pena, tão minha. A angústia e a melancolia já quase não são, delicados fios que me passam, mas quase imperceptíveis em meio a minha solidão de alma. De minha vida, tempestade, só espero que a morte me carregue, que me leve de uma vez para o mais turvo inferno onde eu possa ser algo de mais. Do contrário, serei apenas mais algo de nada, e minha consciência se libertará, uma pluma que se perde vagarosa no abismo, se dissipa ao sopro.
Minha história se divide em doze entediantes compassos, o blues e a lama, a lama e a alma:

I´ve been walking so lonely,
I´ve been walking so sad,
Oh lord, you let me down,
Don´t you know that i´m just a man?

Aceito-me como sou, e pago meu preço. A normalidade é a doença do coração. Me sôo tão coerente, carente de entendimentos, humanamente atonal. Liberto-me das ciências, da metafísica, das análises (re-leituras prepotentes e pragmáticas que tão certas de suas medíocres verdades, acabam por aniquilar a arte e a singularidade da vida), me tenho por si só.
Olho para o relógio e são duas horas da manhã, estou milimetricamente entre o cair da noite, e a alvorada. Vou até a janela, mas antes me despeço da última gota de whisky (gosto dele todo, amargo e puro! Não gosto de gelo). Na janela termino de tragar o cigarro, sopro meu câncer por entre o ar garoado da noite. Desfaço-me do cigarro e olho a lua, tão minha, tão sua. Dos poetas é que já não é. Todos morreram, anestesiados pelo homem, morreram de esquecidos.
Não tardará a baterem em minha porta, de certo me levarão daqui, para algum lugar distante e confortável onde julgam ser melhor para mim, me calaram a opinião, toda a vida. Já não me importo, só quero ser só. Um sentimento amarelo me percorre, de supetão, e sinto um nó nas vísceras, minha boca se enche de mágoas e ânsia, regurgito até as tripas. Poderia ter sido o álcool, mas não foi. Grotesco, nojento, grotesco, humano. Limpo os lábios e cuspo o orgulho na sarjeta.
Fios dourados me anavalham e sou inteiro, encontro em mim as maiores felicidades, razões e amores. Minha consciência é estupidamente absurda, sou o ser mais coerente existente no minuto, não pertenço a tempo ou espaço. Sou eterno, mais do que nunca, me torno idéias, lirismo, notas e melodias. Mas os corações ainda são pequenos demais para entender.
UM, DOIS, TRÊS toques progressivos. Três estrondos me agridem, insuportavelmente longos. À porta, vieram me buscar...
Um, Dois, Três homens, uniformizados e irreconhecíveis. Não! Não gosto que me tomem pelo braço... Mas não reajo nem demonstro sentimento algum, minha indiferença é passional. Que me levem, aos véus celestes ou o turvo inferno.
Meu coração aperta, me falta ar, me deixo...Só.
Um, dois, três...Versos. Meus, só meus.

Junto comigo nasce minha contradição,
Vida vivida, não de triste, nem de feliz,
Mas minha, tão minha...

3 comentários:

Anônimo disse...

"sopro meu câncer por entre o ar garoado da noite" foi muito bom!!
Você escreve super bem.
Acho muito interessante como a gente consegue exteriorizar coisas que não necessariamente aconteceram conosco. Interessante como podemos sentir coisas acontecerem em um plano imaginário. Essa nostalgia é surreal.
hehe

Anônimo disse...

Fala Man!

Pãtz cara, sensacional o texto! Pelo visto descobri o que o sr. estava escrevendo nas aulas de hoje!

Tenso..

Abraços, cuide-se!

Clara Mazini disse...

'Vida vivida, não de triste, nem de feliz,
Mas minha, tão minha...'

Adorei. Essa frase fez nascer um sentimento estranhamente conhecido em mim, mas que não experimentava há tempos.

Isso que o bom texto faz. Voltarei aqui depois, para provar outros.